Caritas in veritate - a nova encíclica de Bento XVI

08-07-2009 11:32

Caritas in veritate - a nova encíclica de Bento XVI  (ler a encíclica)

O Papa Bento XVI publicou dia 7, uma nova Encíclica, a terceira do seu pontificado. As duas anteriores foram: "Deus caritas est", de 2006, e "Spe salvi, de 2007, que tiveram as virtudes teologais como princípios motivadores.

A Encíclica, intitulada CARITAS IN VERITATE (Caridade na verdade), é dirigida à Igreja e a todos as pessoas de boa vontade e trata do desenvolvimento humano integral fundado na caridade e na verdade. Centrada especificamente em temas sociais, a Encíclica insere-se no conjunto da Doutrina Social da Igreja.

Assinada no dia 29 de Junho, solenidade dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo, a Encíclica pretende aprofundar alguns aspectos do desenvolvimento alcançado na nossa época, à luz da caridade na verdade. Foi divulgada pelo cardeal Renato Raffaele Martino, presidente do Conselho Pontifício Justiça e Paz, e pelo cardeal Paul Josef Cordes, presidente do Conselho Pontifício "Cor Unum".

Da leitura do documento podemos extrair a seguinte síntese:

O progresso necessita da verdade. Sem ela – afirma o Pontífice – "a actividade social acaba à mercê de interesses privados e lógicas de poder, com efeitos desagregadores na sociedade".

Bento XVI detém-se sobre dois "critérios orientadores da acção moral" que derivam do princípio "caridade na verdade": a justiça e o bem comum. Cada cristão é chamado à verdade, também através de um "caminho institucional" que incida na vida da polis, do viver social. A Igreja – reafirma – "não tem soluções técnicas para oferecer", mas tem, todavia, "uma missão a serviço da verdade para cumprir" a favor de "uma sociedade à medida do homem, da sua dignidade e da sua vocação".

O primeiro capítulo do documento é dedicado à Mensagem da Populorum Progressio, de Paulo VI. "Sem a perspectiva de uma vida eterna – adverte o Papa – o progresso humano neste mundo fica privado de respiro". Sem Deus, o desenvolvimento é negado, "desumanizado".

Paulo VI – lê-se – reafirmou "a exigência imprescindível do Evangelho para a construção da sociedade segundo liberdade e justiça".  

Na Encíclica Humane Vitae, Papa Montini "indica os fortes laços existentes entre a ética da vida e a ética social". Hoje também, "a Igreja propõe, com vigor, esta ligação".

O Papa explica o conceito de vocação presente na Populorum Progressio. "O desenvolvimento é vocação", uma vez que "nasce de um apelo transcendente". E é realmente "integral" – sublinha – quando "promove todos os homens e o homem todo". "A fé cristã – acrescenta – ocupa-se do desenvolvimento sem olhar a privilégios nem posições de poder", "mas contando apenas com Cristo".

O Pontífice evidencia que "as causas do subdesenvolvimento não são primariamente de ordem material". Elas estão, antes de tudo, na vontade, no pensamento e, mais ainda, "na falta de fraternidade entre os homens e entre os povos". "A sociedade cada vez mais globalizada – sublinha – torna-nos vizinhos, mas não nos faz irmãos". É preciso, então, mobilizar-se, a fim de que a economia evolua "para metas plenamente humanas".

No segundo capítulo, o Papa entra no cerne do Desenvolvimento humano no nosso tempo. O objectivo exclusivo de lucro "sem ter como fim último o bem comum – observa – arrisca-se a destruir riqueza e criar pobreza". E enumera algumas distorções do desenvolvimento: uma actividade financeira "maioritariamente especulativa", os fluxos migratórios "com frequência provocados" e sucessivamente mal geridos, e ainda "a exploração desregrada dos recursos da terra". Diante de tais problemas interligados, o Papa invoca "uma nova síntese humanista". A crise "obriga-nos a projectar de novo o nosso caminho".

O desenvolvimento hoje – constata o Papa − é "policêntrico". "Cresce a riqueza mundial em termos absolutos, mas aumentam as desigualdades" e nascem novas formas de pobreza. A corrupção – lamenta o Papa – está presente tanto nos países ricos como nos pobres; às vezes, grandes empresas transnacionais não respeitam os direitos dos trabalhadores. Por outro lado, "as ajudas internacionais foram, muitas vezes, desviadas das suas finalidades, por irresponsabilidades" seja dos doadores seja daqueles que fruem delas. Ao mesmo tempo – denuncia o Pontífice – "existem formas excessivas de protecção do conhecimento, por parte dos países ricos, através de uma utilização demasiado rígida do direito de propriedade intelectual, especialmente no campo da saúde".

Após o fim dos "blocos" – recorda-se – João Paulo II solicitara "uma revisão global do desenvolvimento", mas isso "realizou-se apenas parcialmente". Existe hoje, "uma renovada avaliação" do papel dos "poderes públicos do Estado", e é desejável uma participação da sociedade civil na política nacional e internacional. Bento XVI volta sua atenção, depois, para a deslocação de produções de baixo custo, por parte dos países ricos. "Estes processos – adverte – implicaram a redução das redes de segurança social", com "grave perigo para os direitos dos trabalhadores". A isso se acrescenta que "os cortes na despesa social, muitas vezes fomentados pelas próprias instituições financeiras internacionais, podem deixar os cidadãos impotentes diante de riscos antigos e novos". Por outro lado, acontece também de "os governos, por razões de utilidade económica, limitarem as liberdades sindicais". O Papa recorda aos governantes, por isso, que "o primeiro capital a preservar e valorizar é o homem, a pessoa na sua integridade".

No plano cultural – prossegue – as possibilidades de interacção abrem novas perspectivas de diálogo, mas existe um duplo perigo. Em primeiro lugar, um ecletismo cultural no qual as culturas "são vistas como substancialmente equivalentes". O perigo oposto é o do "nivelamento cultural", "a homogeneização dos estilos de vida".  

Nesse contexto, o Papa volta o seu pensamento para o escândalo da fome. Falta – denuncia o Pontífice – "um sistema de instituições económicas que seja capaz" de afrontar tal emergência. Faz votos de que se faça recurso a "novas fronteiras" nas técnicas de produção agrícola, e de uma reforma agrária nos países em desenvolvimento.

Bento XVI faz questão de sublinhar que o respeito pela vida "não pode ser de modo algum separado" do desenvolvimento dos povos. Em várias partes do mundo – adverte – continuam a ser aplicadas práticas de controlo demográfico que "chegam mesmo a impor o aborto". Nos países desenvolvidos difundiu-se uma "mentalidade anti-natalista que, muitas vezes, se procura transmitir a outros Estados, como se fosse um progresso cultural". Além disso – prossegue − "existe uma fundada suspeita de que, às vezes, as próprias ajudas ao desenvolvimento sejam associadas" a "políticas de saúde que realmente implicam a imposição de um forte controle dos nascimentos". Igualmente preocupantes são as "legislações que prevêem a eutanásia". "Quando uma sociedade começa a negar e a suprimir a vida – adverte – acaba por deixar de encontrar" motivações e energias "para trabalhar a serviço do verdadeiro bem do homem".

Outro aspecto ligado ao desenvolvimento é o direito à liberdade religiosa. As violências – escreve o Papa – "refreiam o desenvolvimento autêntico", e isso "aplica-se de modo especial ao terrorismo de índole fundamentalista". Ao mesmo tempo, a promoção do ateísmo por parte de muitos países "tira aos seus cidadãos a força moral e espiritual indispensável para se empenhar no desenvolvimento humano integral".  

Para o desenvolvimento – prossegue – é necessária a interacção dos diversos níveis do saber, harmonizados pela caridade.

O Papa faz votos, portanto, de que as opções económicas actuais continuem "a perseguir como prioritário, o objectivo do acesso ao trabalho" para todos. Bento XVI chama a atenção para os riscos de uma economia "a curto senão mesmo curtíssimo prazo" que determina "a diminuição do nível de tutela dos direitos dos trabalhadores", no intuito de permitir que o país alcance "maior competitividade internacional". Para isso, exorta a uma correcção das disfunções do modelo de desenvolvimento, como requer hoje também o "estado de saúde ecológica da Terra". E conclui acerca da globalização: "Sem a guia da caridade na verdade, este ímpeto mundial pode concorrer para criar riscos de danos até agora desconhecidos e de novas divisões". É necessário, portanto, "um compromisso inédito e criativo".

Fraternidade, Desenvolvimento económico e Sociedade civil é o tema do terceiro capítulo da Encíclica, que se abre com um elogio da experiência do dom, frequentemente não reconhecida, "por causa de uma visão meramente produtiva e utilitarista da existência". A convicção de autonomia da economia em relação às "influências de carácter moral – sublinha o Papa – impeliu o homem a abusar dos instrumentos económicos, até mesmo de forma destrutiva". O desenvolvimento, "se quiser ser autenticamente humano", deve, ao invés, "dar espaço ao princípio da gratuidade".

Retomando a Centesimus Annus, indica a "necessidade de um sistema a três sujeitos": o mercado, o Estado e a sociedade civil, e encoraja à instauração de uma "civilização da economia". São necessárias "formas económicas solidárias". Mercado e política necessitam "de pessoas abertas ao dom recíproco".

A crise actual – observa – requer também "profundas mudanças" para a empresa. A sua gestão "não pode ter em conta unicamente os interesses dos proprietários", mas "deve preocupar-se" também com a comunidade local. O Papa refere-se aos ‘managers’ que, frequentemente, "respondem só às indicações dos accionistas" e convida a evitar um uso "especulativo" dos recursos financeiros.

O capítulo concluise com uma nova avaliação do fenómeno da globalização, que não deve ser entendida apenas como um "processo socioeconómico". "Não devemos ser vítimas dela, mas protagonistas – exorta – actuando com razoabilidade, guiados pela caridade e a verdade". À globalização é necessária "uma orientação cultural personalista e comunitária, aberta à transcendência", capaz de "corrigir as suas disfunções". Existe – acrescenta – "a possibilidade de uma grande redistribuição da riqueza", mas a difusão do bem-estar não deve ser refreada "com projectos egoístas e proteccionistas".

No quarto capítulo, a Encíclica aborda o tema do Desenvolvimento dos povos, direitos e deveres, ambiente. Nota-se – observa o Papa – "a reivindicação do direito ao supérfluo" nas sociedades opulentas, enquanto faltam alimento e água em certas regiões subdesenvolvidas. "Os direitos individuais desvinculados de um quadro de deveres" – sublinha – "enlouquecem". Direitos e deveres – precisa o Pontífice – derivam de um quadro ético. Se, pelo contrário, "encontram o seu fundamento apenas nas deliberações de uma assembleia de cidadãos", podem ser "alterados em qualquer momento". Governos e organismos internacionais não podem esquecer "a objectividade e a indisponibilidade" dos direitos.

A tal propósito, Bento XVI detém-se sobre a "problemática ligada ao crescimento demográfico". É "errado" – afirma – "considerar o aumento da população como a primeira causa do subdesenvolvimento". O Pontífice reafirma que a sexualidade não pode ser "reduzida a um mero facto ‘hedonista’ e lúdico". Nem se pode regular a sexualidade com políticas materialistas "de planificação forçada dos nascimentos". O Papa sublinha, a seguir, que "a abertura moralmente responsável à vida é uma riqueza social e económica". Os Estados – escreve – "são chamados a instaurar políticas que promovam a centralidade da família".

Os últimos parágrafos do capítulo são dedicados ao ambiente. Para o fiel, a natureza é um dom de Deus, a ser usado com responsabilidade. Nesse contexto, o Papa se detém sobre a problemática energética. "O açambarcamento dos recursos" por parte dos Estados e grupos de poder – denuncia o Pontífice – constitui "um grave impedimento ao desenvolvimento dos países pobres". A comunidade internacional deve, portanto, "encontrar as vias institucionais para regular a exploração dos recursos não renováveis". "As sociedades tecnicamente avançadas – acrescenta – podem e devem diminuir o consumo energético", ao mesmo tempo em que deve "avançar a pesquisa de energias alternativas".

No fundo – exorta o Papa – "é necessária uma real mudança de mentalidade que nos induza a adoptar novos estilos de vida". Um estilo que hoje, em muitas partes do mundo "pende para o hedonismo e o consumismo". O problema decisivo – prossegue – "é a solidez moral da sociedade em geral". E adverte: "Se não é respeitado o direito à vida e à morte natural", a "consciência comum acaba por perder o conceito de ecologia humana" e o de "ecologia ambiental".

A colaboração da família humana é a essência do quinto capítulo, no qual Bento XVI evidencia que "o desenvolvimento dos povos depende, sobretudo, do reconhecimento que são uma só família". Por outro lado – lê-se – a religião cristã pode contribuir para o desenvolvimento, "se Deus encontrar lugar também na esfera pública". Com a "negação do direito de professar publicamente a própria religião", a política "assume um rosto oprimente e agressivo". E adverte: "No laicismo e no fundamentalismo, perde-se a possibilidade de um diálogo fecundo" entre razão e fé. Ruptura que "implica um custo muito gravoso para o desenvolvimento da humanidade". (53-56)

O Papa refere-se, portanto, ao princípio da subsidiariedade, que oferece uma ajuda à pessoa "na autonomia dos corpos intermédios". A subsidiariedade – explica – "é o antídoto mais eficaz contra toda forma de assistencialismo paternalista" e é capaz de humanizar a globalização. As ajudas internacionais – constata – "podem, por vezes, manter um povo num estado de dependência", por isso devem ser concedidas com a participação da sociedade civil e não apenas dos governos. "Muitas vezes", de fato, "as ajudas serviram apenas para criar mercados marginais para os produtos" dos países em desenvolvimento.

Assim sendo, exorta os Estados ricos a "destinarem maiores cotas" do PIB para o desenvolvimento, respeitando os compromissos assumidos. E faz votos de que possa haver maior acesso à educação e ainda mais, à "formação completa da pessoa", sublinhando que, cedendo ao relativismo, nos tornamos mais pobres. Um exemplo – escreve − nos é oferecido pelo perverso fenómeno do turismo sexual. "É doloroso constatar – observa – que isto acontece, frequentemente, com o aval dos governos locais, com o silêncio dos governos de onde provêm os turistas, e com a cumplicidade de muitos agentes do sector".

A seguir, o Papa aborda o fenómeno "epocal" das migrações. "Nenhum país se pode considerar capaz de enfrentar sozinho – adverte – os problemas migratórios." Todo migrante – acrescenta – "é uma pessoa humana" que "possui direitos fundamentais inalienáveis que hão-de ser respeitados por todos em qualquer situação". O Papa pede que os trabalhadores estrangeiros não sejam considerados como mercadoria e evidencia o "nexo direito entre pobreza e desemprego". Invoca trabalho decente para todos e convida os sindicatos, separadamente da política, a voltaram sua atenção para os trabalhadores dos países onde os direitos sociais são violados.

As finanças – repete – "depois da sua má utilização que prejudicou a economia real, voltem a ser um instrumento que tenha em vista" o desenvolvimento. E acrescenta: "Os operadores das finanças devem redescobrir o fundamento ético próprio da sua actividade". O Papa pede, além disso, "uma regulamentação do sector", para garantir os sujeitos mais vulneráveis.

O último parágrafo do capítulo é dedicado pelo Papa "à urgência da reforma" da ONU e "da arquitectura económica e financeira internacional". Urge "a presença de uma verdadeira Autoridade política mundial" que respeite "coerentemente, os princípios de subsidiariedade e solidariedade". Uma Autoridade – afirma – que goze de "poder efectivo". E conclui com o apelo a se instituir "um grau superior de ordenamento internacional" para governar a globalização.

O sexto e último capítulo centra-se no tema do ‘Desenvolvimento dos povos e a técnica’. O Papa chama a atenção para a "pretensão prometeica" segundo a qual "a humanidade pensa que se pode recriar, valendo-se dos "prodígios" da tecnologia". A técnica – adverte – não pode ter uma "liberdade absoluta". O Papa ressalta que "o processo de globalização poderia substituir as ideologias com a técnica".

Interligados com o desenvolvimento tecnológico estão os meios de comunicação social chamados a promover "a dignidade da pessoa e dos povos".  

Campo primeiro "da luta cultural entre o absolutismo da técnica e a responsabilidade moral do homem é o da bioética" – explica o Papa, que acrescenta: "A razão sem a fé está destinada a perder-se na ilusão da própria omnipotência". A questão social torna-se "questão antropológica". A pesquisa sobre os embriões e a clonagem – lamenta o Pontífice – "promovem-se na actual cultura" que "pensa ter desvendado todos os mistérios". O Papa teme "uma sistemática planificação genética dos nascimentos".

Sucessivamente, reafirma que "o desenvolvimento deve incluir o crescimento espiritual além do material". E enfim, exorta a termos um "coração novo", para podermos "superar a visão materialista dos acontecimentos humanos".

Na Conclusão da Encíclica, o Papa sublinha que o desenvolvimento "necessita de cristãos com os braços levantados para Deus, em atitude de oração", de "amor e de perdão, de renúncia a si mesmos, de acolhimento do próximo, de justiça e de paz".

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