A Bíblia, segundo Jesus Cristo

14-07-2009 09:49

Ouve-se, por aí,muitas pessoas dizerem que começaram a ler a Bíblia e desistiram por não compreender o que lá está escrito. Mais ainda… que o modo de Deus agir é difícil de assimilar pois manifesta-se castigando, vingando..., e, por outro lado, falava às pessoas e hoje parece ter-se calado. Por isso, anualmente, em Setembro, mês da Bíblia, somos chamados pela Igreja, a aproximarmo-nos das Escrituras. Mas como fazê-lo de uma maneira que não nos assuste, não nos desanime e tenha sentido para a nossa vida e nossa caminhada?         

Na verdade, as escrituras precisam de ser entendidas no caminho, na vida quotidiana. Na Bíblia há tudo o que faz chorar e sorrir, ou seja, a existência que se manifesta na alegria, na festa, na dança, na reza, na luta, na dor, na derrota, no recomeço... Jesus mostra aos discípulos de Emaús, caminhando com eles, que a escritura ganha sentido quando iluminada pela vida concreta. E aquela, por sua vez, ajuda a encontrar o sentido mais profundo da vida. Jesus, que continua a sua caminhada connosco, é o exegeta a mostrar que temos que ‘misturar a Vida com a Bíblia e a Bíblia com a nossa Vida para podermos compreendê-la, e para que o nosso coração possa arder…’

           
"As palavras que vos disse são espírito e vida" Jo 6,63b   
Jesus mesmo ajuda-nos a compreendermos as características da Palavra ao dizer que ela é espírito e vida. É próprio do espírito o seu carácter dinâmico, pois é sopro (ruah), vento, livre, maleável, de tal modo que não se pode prendê-lo, enquadrá-lo. Portanto, é uma realidade dinâmica que precisa ser captada no hoje da nossa existência e não congelado em um passado distante e incompreensível. É no presente das pessoas e comunidades que ele se transforma em vida. A Palavra deixa de ser um corpo estranho se a percebermos como acção de Deus geradora de vida: "Faça-se ... e fez-se..." . Deus continua a vir até nós com a sua Palavra criadora, esta palavra atravessa e ultrapassa a Bíblia. Hoje, ela continua a ser dinâmica (espírito) e criadora (vida). Se é assim, então para que recorremos ao texto bíblico? 
"Não ardia o nosso coração quando ele nos falava pelo caminho, quando nos explicava as escrituras?" Lc 24,32           

           
"...é semelhante a um pai de família que do seu tesouro tira coisas novas e velhas." Mt 13,52 
Novamente Jesus nos dá outro indicativo interessante para lermos a Bíblia e a Vida. Deve ser lida na perspectiva do reinado de Deus que se faz concreto na vida do seu povo. Jesus aponta que aquele que está dentro da perspectiva do Reino, é como um pai de família que tira coisas novas e velhas do seu tesouro. O maior tesouro que temos é a vida. Isso faz comparar a Bíblia e a vida com uma colcha de retalhos, também feita de panos novos e velhos. Fazer uma colcha de retalhos exige paciência para ir juntando, aos poucos, os pedaços antigos e guardando os novos sem os deixar perder; exige sensibilidade e criatividade para dispor as cores de maneira harmoniosa, separar o que presta e o que deve ser rejeitado e por último habilidade para costurar tudo numa única nova peça. O povo de Deus, na Bíblia, também faz como quem faz uma colcha de retalhos. Junta histórias antigas, cânticos, preces, mitos, narrativas de libertação, ditados, profecias, actas, novelas..., que são importantes para entender e dar sentido à sua vida e à sua história, e agrupam tudo numa grande colcha, a Bíblia. Quando lemos um livro da Bíblia percebemos ali várias histórias, de várias épocas, basta observar a quantidade de citações de outros livros que aparecem num só livro. Jesus também foi um mestre na arte de fazer ‘colcha de retalhos’, por exemplo ao dizer que dava um novo mandamento aos seus discípulos de amarem-se uns aos outros, citando um texto antigo do Lv 19,18. 


"...quem escuta a minha palavra e crê naquele que me enviou tem a vida eterna..." Jo 5,24
Uma colcha de retalhos é nova, embora os tecidos que nela estão costurados são de diversas épocas, tamanhos e cores. Qual é, então, a costura que faz com que possamos chamar de Palavra de Deus experiências de vida, tão diversas como as encontradas nos diferentes livros da Bíblia? E qual é a costura que une as diversas dimensões das nossas vidas? Mais uma vez Jesus nos mostra a saída. É a fé no Deus da vida e da história, a certeza de que Ele caminha connosco e caminhou com o povo da Bíblia que costura e que torna nova e bela as diversas realidades humanas tocadas por Deus. É a fé que une o local e o universal, o presente ao passado e ao futuro, abre espaços e rompe limites, até os da morte.

           
"Eu te louvo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste essas coisas aos sábios e doutores e as revelaste aos pequeninos." Mt 11,25         
Em toda a história do povo de Deus e na vida de Jesus, os pequenos, pobres, excluídos de todos os tipos, foram aqueles que estiveram abertos para o Reino. E Deus sempre fez opção preferencial por aqueles que não tinham nenhuma perspectiva do ponto de vista económico, político, religioso e social. São esses os primeiros a seguirem Jesus. Assim, eles são critério para compreender o modo de Deus agir na Bíblia e na Vida. A leitura da Bíblia e a leitura da Vida precisa ser com e através dos pobres hoje, dos excluídos; para que tenha um mínimo de fidelidade ao projecto sonhado por Deus.

           
"Jesus fez ainda, diante de seus discípulos, muitos outros sinais, que não se acham escritos neste livro." Jo 20,30           
Jesus continua a caminhar diante de seus discípulos e continua a fazer muitos sinais. Voltamos a perceber que a Palavra de Deus atravessa mas, não se esgota na Bíblia. É preciso que agucemos nossa sensibilidade, fortaleçamos nossa fé e nosso compromisso com os excluídos para ler o grande livro da vida, iluminados pela Bíblia que Deus continua a escrever. Todos somos chamados a sermos criativos em reunir retalhos velhos e novos, e com eles continuar na tarefa de tecer a colcha do Reino de Deus e da nossa vida, onde todos possam agasalhar-se.

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