Curiosidades

 

A passagem de D. Maria II pela Carapinheira do Campo

 

Corria o ano de 1852. O governo de Sua Majestade Fidelíssima a Rainha D. Maria II, a Educadora, decidiu fazer uma viagem pelo norte do reino, passando por Vila Franca de Xira, Alcobaça, Leiria, Pombal, Coimbra, Porto, Braga, Barcelos e Viana do Castelo, voltando depois ao Porto, Aveiro, Cantanhede. No dia 25 de Maio de 1852, uma terça-feira, prossegue a viagem por Meco (onde foi recebida pela municipalidade de Cadima, à qual pertencia a freguesia de Arazede, e pela municipalidade de Tentúgal), continuando por Valcanosa, Carapinheira e Montemor-o-Velho, onde pernoitou. No dia seguinte, enquanto D. Fernando II e o príncipe D. Pedro visitaram a Figueira da Foz, D. Maria II e o infante D. Luiz dirigiram-se para a “villa” de Verride, tendo hospedagem no palácio do Visconde da Ponte da Barca, onde aguardaram por D. Fernando e D. Pedro, seguindo depois para Soure e Marinha Grande, com chegada a Lisboa a 2 de Junho.

A paróquia da Carapinheira havia sido emancipada das paróquias de Montemor-o-Velho, com elevação a priorado, tendo então o seu próprio território paroquial e o seu prior. A passagem de D. Maria II pela Carapinheira (apesar de conhecida pouco tempo antes, pois a viagem estava programada para seguir de Aveiro para a Figueira da Foz e Lavos) merecia uma calorosa recepção, facto que obteve a cumplicidade do prior, das pessoas gradas da terra e do povo em geral. É que esta manifestação de afecto e respeito pela soberana também pretendia ser um gesto de agradecimento à rainha pelos “importantes despachos” a favor desta comunidade, nomeadamente pelo decreto de 30 de Abril de 1841, pelo qual D. Maria II apresentou o presbítero egresso Lourenço Vilela de Vasconcelos, na paróquia de Santa Susana da Carapinheira. O prior, substituindo o cura Leonardo Mendes da Gama, tomou posse da paróquia em Julho de 1841, “estreando-se”, no dia 4, com o baptismo de Francisco, nascido a 18 de Junho de 1841, filho de José Monteiro e Teresa Simões, dos Nobrezos, seguindo-se, dia 6, as exéquias de Francisco Carajoinas, “sepultado no mesmo dia, dentro da igreja, por não haver cemitério” e no dia 2 de Agosto procedendo ao casamento de Caetano de Sousa com Maria Correia de Sousa. Frei Vasconcelos foi prior desta paróquia até final do ano de 1856, sucedendo-lhe o padre encomendado José Rodrigues Ferreira Lopes, até 1858, altura em que, por decreto do Rei D. Pedro V, de 8 de Junho desse ano, é apresentado o presbítero Narciso Manuel Ferreira da Silva. Porém, este dia festivo para a comunidade da Carapinheira teve um acontecimento algo insólito que, com a devida vénia, transcrevemos:

 

Um episódio interessante

 

“Por toda a Carapinheira havia, nesse dia (25 de Maio de 1852), um movimento extraordinário. A igreja paroquial repicava os sinos festivamente; as ruas ofereciam um aspecto interessante, cheias de verdura; os camponeses envergavam os seus trajes domingueiros; as raparigas - belas moçoilas desse tempo - ostentavam os seus melhores trajes, vestimentas garridas, perfumadas com canela e rosmaninho. Os melhores lavradores, as pessoas mais gradas daquela povoação, esperaram, ansiosamente, o momento de beijarem a mão a sua magestade. Meninas, vestidas de branco, preparadas antecipadamente para receitar alguns versos a D. Maria II, aguardavam, tremulas e confusas, o momento proprio. D. Maria II deve chegar á tarde - assim dizia toda a gente bem informada - acompanhada do seu séquito, a que pertence o glorioso marechal Saldanha....

A pequena filarmónica, constituida por instrumentos de metal e de corda, organizada, invaidecidamente, por pessoas de destaque daquela terra, prepara-se para a recepção á rainha. Pelas duas horas da tarde já, junto ao Cruzeiro, a pequena banda de musica ataca um ordinário um pouco desordenado e barulhento...

A ansiedade é grande. Debaixo dum sol escaldante toda a gente transpira abundantemente. De vez em quando escapa-se dum peito um grito: - “Lá vêem!...”

Depois de meia hora de espera, que foi uma tortura para todos, aparece, com efeito, o cortejo. Á frente cavalga Saldanha, cheio de garbo; segue-se a guarda real; e, no meio, a carruagem com a rainha. Estalam no ar foguetes, ouvem se vivas, a filarmónica executa uma marcha; estão todos congestionados, impando de orgulho...

Parece que, de repente, sucede qualquer coisa de anormal, pois Saldanha grita, com voz de coman­do: Calem-se! Calem-se! Os cavalos, pouco acostumados á música, que naquele tempo era coisa rara, espantam-se, e Saldanha con­tinua gritando: - Calem-se! Calem-se, seus burros!...

A tudo era insensível a imper­tinente e heróica filarmónica, que, não percebendo o significado da­quele berreiro, mais furiosamente atacava com alma o barulhento or­dinário. Saldanha, então, perde a cabeça. Desembainhando a espada mete es­poras ao cavalo e cai sobre os musicos como um furacão. Se tivesse ali caído uma bomba, não teria produ­zido maior efeito. Os musicos fogem espavoridos. Foi uma debandada geral. Porém, há um ainda, que, isento de mêdo, talvez julgando, na sua boa fé, que o cavalo se teria espantado, ataca ainda com o arco as cordas da sua rabeca. Saldanha, então, deteve-se, mas ainda lhe disse: - Cala-te bruto! Chamando alguns oficiais da co­mitiva, disse-lhes entre gargalha­das: Parece mesmo o “Sancho Pança”....

Foi este o prémio do esforço que os bons musicos tiveram de um mês consecutivo de ensaios. Foi assim que Saldanha os felici­tou e lhes agradeceu...

Eram assim os militares desse tempo. O bom povo, muitas vezes assim era tratado nos tempos da…luminosa monarquia.”

Coimbra, 10 de Fevereiro de 1931, Armando Faria (Arquivo de Aldo Aveiro)

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Autênticos marcos de religiosidade popular

As Alminhas da Carapinheira

 

No âmbito da religiosidade popular, a devoção às Almas do Purgatório é manifestada pelos crentes através de diversas maneiras e atitudes: promessas, esmolas, cantar das almas, missas e outros actos litúrgicos, orações, nichos, cruzeiros, alminhas, etc. Todas estas expressões de religiosidade pretendem, no seu mais puro sentimento de fé e esperança, aliviar as almas à sua passagem pelo purgatório.

Na sua XXV sessão, ocorrida em 1563, quando a Igreja procurava reencontrar-se (Contra-Reforma), o Concílio de Trento definiu, dogmaticamente, a existência do Purgatório (“Purgatoriun esse”, isto é, purgatório existe), confiando e incumbindo os bispos de espalhar a doutrina inerente ao dogma.

A partir deste Concílio a devoção às almas do Purgatório conhece relevante preponderância, com o dinamismo dos monges da Ordem do Carmo e da Sociedade de Jesus. Mais tarde, as Confrarias das Almas, criadas para o efeito, ocuparam-se desta extraordinária missão, dinamizando a realização de diferentes actos litúrgicos destinados a sufragar as almas dos que haviam partido da vida terrena. Ao mesmo tempo era incentivado o aparecimento de símbolos representativos do Purgatório e de toda uma iconografia alusiva a este dogma.

 

Entre outros símbolos, surgem as Alminhas, simples e humildes “monumentos” de religiosa piedade e devoção que, na paróquia da Carapinheira, como em muitas outras, constituem autênticos padrões de culto aos nossos antepassados, erguidos em encruzilhadas, muros, paredes, na beira de estradas e caminhos, etc.

Estas Alminhas (ou Oratórios) transmitem-nos a mais fervorosa religiosidade popular pelas figurações que ostentam, esculpidas na pedra ou pintadas na madeira, no estuque ou no pano (painel) e abrigadas e protegidas pela reentrância do muro ou colocadas em pedestal. Assumem a sua forma e valor artístico através da crença deste dogma, do grau de imaginação, de fé e criatividade e habilidade do artista.

Estes oratórios apresentam, vulgarmente, três partes: painel ou retábulo, abrigo escavado na rocha ou no muro ou capelinha construída em pedra ou tijolo e caixa de esmolas; este conjunto é encimado por uma cruz.

O painel, representando o Purgatório, mostra-nos os padecentes, candidatos ao Paraíso Celeste, envoltos nas labaredas vermelho-amareladas, nus da cintura para cima, desgrenhados, olhos de clemência, mãos erguidas ao céu em gesto de súplica e de oração, encimados por figuras celestiais que os procuram aliviar e proteger: Cristo cruxificado, Anjos, a Virgem, N. S. do Carmo com ou sem escapulário, S. Miguel com a balança, Santo António, Santa Teresinha, S. Bartolomeu e outros Santos.

Na base do painel, por vezes, encontram-se expressões literárias convidativas à oração: “Ó vós que ides passando, lembrai-vos de nós que estamos penando” ou “P.N./A.M.”.

O painel, quando não há nicho ou capelinha, está protegido por grade de ferro ou, estando desprotegido, está assente no alto de uma coluna ou pedestal.

Enraizado no nosso país o culto às Almas, como religiosidade popular, desde tempos muito recuados, também é notória a devoção às Almas na Carapinheira, não só através das tradicionais Alminhas, como pequenas capelas, nichos, cruzeiros, pedestais e azulejaria com figuras de Santos.

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